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A escrita sempre foi fiel. Os episódios aqui encontrados são batizados de Escarros pois os mesmos são expurgos íntimos e partos divinos diferencialmente temperados pelos versos e circunstâncias que os compõem. Muitas vezes escorrem coisas a todo o tempo sem controle, disso tiro a lição e arte que se eterniza, mesmo que a poucos olhos. O valor é da existência. -Se fosse objeto seria polaroid, cuspiria poesia.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

SONETO DO ELO

Vi nos olhos o vazio preencher a rua
O beco inteiro agora tinha barulho de córrego
Não vi sentido no sentir
Mas vi na pele o valor de existir

Corri universos entre as fraldes
Gritei por cheiros que não lembro
Dei por conta da maior força quando atravessei a calçada
Eu poderia eternizar o o brilho dos teus cabelos

Embora não saiba muito
Sei que perdido esse episódio
Seria taciturno, seria ócio

Desde então aprendi que amor é apelido
Tudo de grandioso apreendo e digo
É indizível a rima do eterno.

O IRMÃO MENOR

Ernesto deve ter deixando um de seus cigarrilhos. O som da gaveta arruinava o sentido da saudade também, o canto da sala dava de rumo à entrada de nossa fazenda. Ernesto chegava todos os dias ao fim da tarde, numa desconfiança sem fim. Lunática alma. Sempre fui. Ao menos aos olhos de Arnaldo que precisava de minha loucura para despejar toda a sua insanidade silenciosa. O dedo mindinho quicou no móvel de seu avô. Merda! A voz ecoa sempre sem Ernesto. Eu não fiquei ali para vê-lo delirar pela nonagésima vez.  Caio aconselhava-o e de nada adiantara.  Ernesto teria se perdido além das terras disponíveis aos meus olhos ali todos os dias ao fim da tarde. Deve haver algum licor por aqui, eles sempre deixavam suspensas três taças, porque no mais, eu servia de passatempo pros meus companheiros. Olga olhou no espelho, e a cor da boca de Olga indicava o demônio que ali guardara. Mas que diabos falo? Marieta passou. Marieta passa que nem cabrita fugida pela primeira vez das vistas do pai, uma coitadinha quente da boca rosa, rosa não, laranja, e você sabe bem o que a boca laranja quer dizer, nadinha. Ela não diz, a gente é que imagina a boca laranja. Marieta trabalha muito bem a cor de sua boca. É um laranja que na poesia até mancha.  Pois bem, eu nunca vou deixar de amar Ernesto, não pela pessoa que foi, mas pelo que jurei. Ernesto é do tipo que morto ainda vive, só pelo gostinho vagabundo de lembrar onde meu coração bateu, subindo e descendo, abrindo e apertando no mesmo lugar, o mesmo gosto. Olga achou o licor e o livro primeiro. Lembro que um dia chegou e na independência vulgar e classuda de fraque, nem deixou que  ela o triscasse, senti perfume de lavanda. Não era não. Era a mãe de Ernesto que o tinha abraçado, não tinha nada a ver com Aline, nem Marieta.  Marieta não deixava perfume, eu sabia porque minha boca é roxa e as bocas coloridas trabalham igualmente, e embora Marieta trabalhe bem mais, precisa ainda de muita ladeira pra arroxear  o céu. Olga via o roxo, o laranja  mas usava vermelho que de disfarce ela entendia bem, só não entendia porque as pessoas demonstravam vãs filosofias. -É mais fácil ser que parecer Lúcio.
Lembro assim.  Sempre quando eu chegava perto de Ernesto ele guardava um relicário, falava que era jóia de família, mentia mal o desgraçado e esquecia que Olga não era sagrada. Ficasse lá com suas lembranças, ou colocasse de decoração em nossa casa, eu já estava intimamente ligada aos brincos da “tia Cecília”  o relicário nada me faria, a não ser que Olga tivesse a boca rosa e fina, isso estremecia meu coração. Ele não gostava de dividir, sempre brigamos por isso, sempre fui o ser mais fraco da casa, mas ele contava que me magoava muito com tão pouco que não sabia que deveras eu ficava a delírios com sua hostilidade. Nunca entendi as raspas, pra mim que se o destino era esconder o relicário e passar ligeiro pra não fazer perceptível o perfume, que os deixassem à vista. De nós três Caio era o mais esperto, eu nem percebia Caio em casa, só quando ele achava um cigarro de Ernesto.  O que de lição tenho tido desde que os dois se foram é que estar só é um fato, mas deixar alguém só é uma escolha cruel e sem aviso. Não há mobília que sustente o vazio da lembrança sonora. Olga acompanhou sua própria lucidez.