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A escrita sempre foi fiel. Os episódios aqui encontrados são batizados de Escarros pois os mesmos são expurgos íntimos e partos divinos diferencialmente temperados pelos versos e circunstâncias que os compõem. Muitas vezes escorrem coisas a todo o tempo sem controle, disso tiro a lição e arte que se eterniza, mesmo que a poucos olhos. O valor é da existência. -Se fosse objeto seria polaroid, cuspiria poesia.

sábado, 20 de maio de 2017

O GALO

Já era próximo de meio dia quando Erasmo carregava uma caixa com uma espécie de furos nas laterais. Eu estava sentada observando a samambaia cheia, mas sempre naquela época do ano ela secava. O gato se debateu uma só vez enquanto falávamos. Ali não estrava luz suficiente e ele já nem esperava mais algum tipo de libertação.Celecina preparava as carnes do almoço e confabulava enquanto seu neto imaginava o sofá menor, ele era inadequado. A pequenez da cozinha acomodava os últimos minutos do galo. Quem come galo? A carne é dura, vão até reclamar. Morrer e ser comido como se não fosse capaz nem de despertar se não a fome, ao menos a vontade de comer. Era o pior fim que poderia existir; morrer em vão. Se ao menos deixassem o bicho lá, morrendo por gosto de Deus quem poderia reclamar? Seríamos todos  inocentes. O bicho começou a se debater novamente no mínimo por que já escutava os passos de Celecina . O galo não cantou. Uma azia me corroeu e fiz como faço sempre que não quero participar de algo; corro pra de trás das cortinas. O galo passou pouco tempo sob meus comandos, pensei em libertá-lo mas o meu fracasso venceu quando eu lembrei que quando estou faminta devoro a mão de quem ousar. Enquanto a caixa era aberta eu sentia o sopro de vida, eu só pensava que talvez o galo fosse capaz de sentir, uma última vez. Durante um tempo passado eu também respirava pelos buracos, no entanto não houve ninguém que se dispusesse a terminar o serviço. Oxalá preparou a corte e a escada de forma que eu tinha que voltar á vida para que todos aqueles que deixei esperando, me encontrassem de volta. Foi a viagem perdida e eu reconhecia finalmente o teto de minhas casas. O galo fez aquele som que só é feito uma vez pelos galos, na hora da morte,  pela última vez. Comi pão com café naquele dia e fui capaz de me sentir a mais feliz das criaturas, depois de sair do escuro da caixa eu era pastora de meu próprio terreiro. A liberdade de me entender pequena fez com que o lodo do beco parecesse tapete bonito de pisar. Assim devem ser os corações dos homens que matam galos pra sobreviver, solos bons de pisar. Para que uma alma seja alimentada a outra não deve ser afetada. O galo tinha alma e sangue e agora não existia mais. A geladeira virara laboratório. Eu estava condenada a lembrar do som que o galo fez, mas não me importava mais que não tivesse feito algo, entendi através da quietude do galo, que foi passivo até a hora de sua morte que alguns percursos não tem outros fins. Ele estava conformado e eu deveria fazer o mesmo. A minha sorte foi  por circunstancias  outras resgatarem os princípios que havia perdido no meio do caminho, acho que a tardinha vai chover, vou visitar Marina antes das seis.