Tocava every days like Sunday na noite de ontem, eu, debruçada na jukebox, observava as cabeças e as bocas das cabeças, todas as bocas abertas
esperando algo, naquela altura da música... digo... Deixe-me explicar... Há um
momento em every days em que é possível sentir que Morrissey está
passando a mão em nossa cabeça, olhando-nos com olhos de piedade, indo
embora. As pessoas que tem piedade geralmente vão embora. É algo muito ruim de
sentir, piedade. Escrevo este ato de hoje de forma simples, não menos complexa, mas
quero-me fazer compreendida a cada linha, sem espasmos desnecessários, sem
arroubos metafóricos, sem repetições existenciais em fractais a serem
decodificados para além da leitura, quero escrever como a suburbana que sou,
conscientemente. O que digo aqui é que tento resgatar a prosa através da
simplicidade, de muito livre que sou vou te confessar o que me fez ficar tanto
tempo em silêncio, deixe-me pôr os óculos.
...
Sempre os deixo há um raio de um metro de distância , hoje me
distraí, tive que os encontrar ao pé da cama, que é há um metro da porta do banheiro, talvez eu esteja disciplinada, mesmo que dentro dos parâmetros que nem
mesmo sei quais são. O que me fez ficar tanto tempo em silêncio foi ter me aprisionado a uma forma de escrita, eu não poderia começar algo sem que aquele algo se adapta-se a uma forma única, a forma da minha identidade, que tola eu sou de pensar que tenho uma, tenho meus pés, tenho minhas digitais, tenho os meus problemas de dicção, meus problemas estomacais e meus problemas de dentro da cabeça, mesmo assim, há de toda forma alguma igualdade entre todos nós: a morte, ou sorte? Estou fugindo do que realmente quero dizer, tenho o escapismo na minha aura. De bem simples, como os surdos enxergam demais e como os mudos são mais ágeis que eu, de muito simples te digo como funcionou, a minha metalinguagem insignificante desapareceu porque de qualquer forma, mesmo que não conseguisse escarrar, faria por bem à minha sanidade mental adiantar um cuspe que fosse, um cuspe que não chegasse ao chão e ficasse como um ioiô, resistindo à gravidade, cansei de receber e esperar as palavras ficarem prontas, de ficar ruminando... Talvez seja mentira, talvez eu tenha me forçado a abrir a porta das palavras ou foi a cerveja que bebi que me fez expurgar? Talvez, às 11:17 de um domingo em que o sol não transformara a minha janela em uma pintura de Dalí, ainda sinta os mesmos espasmos, além de calores infernais, antes de sempre. Talvez agora eles venham em formato de um agudo vocálico de Morrissey, num formato messiânico das representações de terceiro olho, diminuo o passo, quase adentro o fractal da escrita idiossincrática de antes, pois bem, por aqui me acabo com as peculiaridades da escrita de antes, acabo o que com alegria sei que não há de ter fim, continuo a escrita que me acordou hoje, a simples e clara. Odeio domingos, sempre odiei, domingo tem o gosto amargo no céu da minha boca, domingo me traz nostalgias e não há uma leve corrida que me faça fingir tão bem a fadiga que o domingo me causa, essa coisa de amarrar pés, essa sensação pós dexametazona, de paralisar, de correr na água. Acabo aqui o que depois de três meses tive medo:ter parado de escrever. Não me culpo e nem me aninho tanto, aprendi nesse meio
tempo que devo deixar os verbos procederem ao caos. As mortes, as mulheres e
suas mortes, as histórias das mulheres e suas mortes me paralisaram. Os homens,
a sua falta de sexo e as suas mortes, as mortes do seu sexo, a morte das suas
cores e a morte da sua voz, me paralisaram, doze vezes entre as mil que já
abrandei. As lembranças, as transas que não foram minhas e a fricção que não
senti, tudo me mata, tudo me paralisa, é como engolir o domingo, é como
amordaçar-me com o domingo enfiado na goela. Agora, no meio das sensações e das lembranas, olho minhas mãos, estou com os dedos enrugados de
água, When you know it makes things hard for me? Morrissey ecoa na sala, ele e a certeza da minha
também liberdade me assustam mais que as mágoas causadas pela bunda de Natália,
o que uma mulher abandonada pelas palavras é capaz de fazer com os peitos só
Vitor sabe. Saio da banheira, avisto os óculos na pia e devaneio até a sala
enquanto Suedehead pronuncia o gran finale da minha imaginação.Domingos são
sórdidos, eles te fazem lembrar de uma noite de sábado em que seu coração foi
socado. Eu, debruçarei na juker box e vou observar não as bocas, as mãos falam
bem mais, os olhos são os que comem.