Quem sou eu

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A escrita sempre foi fiel. Os episódios aqui encontrados são batizados de Escarros pois os mesmos são expurgos íntimos e partos divinos diferencialmente temperados pelos versos e circunstâncias que os compõem. Muitas vezes escorrem coisas a todo o tempo sem controle, disso tiro a lição e arte que se eterniza, mesmo que a poucos olhos. O valor é da existência. -Se fosse objeto seria polaroid, cuspiria poesia.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

DEVANEIO DE OLGA ( SOBRE O MARTELO SEM RAZÃO DOS MÁRTIRES )

Clareado o dia, Olga saiu pra ir até o mercadinho mais próximo, tinha de levar aromatizante de lavanda para sua mãe que àquela hora iria fazer faxina sem hora pra acabar -as boas donas de casa saem deixando tudo na mais perfeita ordem- cogitava a ideia sarcasticamente alinhando à sua partida.
Posto que o mercado vendia cerveja, Olga não se deu ao trabalho de pegar mais dinheiro, levou as cervejas e pendurou na conta de Arnaldo, como fazia desde que andava pendurada em sua perna. Rebolou vagarosa olhando as casas pelos portões que tinham espaços e viu Irene subindo a rua. Evitava julgamentos mas Irene tinha o caminhado de quem tinha um quadril descompensado de formosura. E Carla ao seu lado tinha os seios do tamanho de uma goiaba. Será se é rosa? Ao menos a boca de Carla era, rosa, quase laranja, bem fininha.
- E aí Olga, já vai começar?
-Comecei em 1968, estou só continuando.
-Sempre com a resposta na  ponta da língua, hein?
-Nada... - Olga saiu  com um riso no canto da boca.
Lembrou do dia em que Ernesto - eu, particularmente odeio esse nome, é o típico filha da puta da novela das seis de bigodinho e olho que fecha quando ri- chegou aos berros com Irene na rua por que passado três meses de seu divórcio Irene tinha sido vista com Leonel entrando na cafeteria da rua as Orquídeas.
-É uma puta! eu penhorei o carro para pagar as nossas dívidas e você desfilando aí com outro macho, você é um lixo de mulher!
- Ernesto, pare. Estão todos olhando .
- Mas que canalha - sussurrou Olga deixando escapar seu ódio pela injustiça.
-O que você falou aí fedelha? Vai cuidar da tua vida!
-Ernesto, vai se catar. Você merecia um par de chifres no meio do seu cu.
- Alguém tira essa pirralha de perto de mim.
Daí você já pode imaginar que o barraco rolou até o pai de Olga chegar e chamá-la pra dentro de casa. De onde não deveria ter saído. Cada suspiro de Olga era uma preocupação para o pai. Ela não controlava a língua.
Abriu a porta de casa e se pôs a pensar sobre as implicâncias do não fazer,  se deu conta de que a muito não se dava o trabalho de farejar o porquê das coisas, mas naquele caso queria. Achava válido saber do repúdio de Ernesto, de onde a racionalidade humana tirava razão para encobrir as próprias derrotas. Nesse caso era Ernesto, mas poderia ser Maria. Aqui todos são só nomes.
Abriu uma cerveja para sua mãe que nem conferiu se o aromatizante era de lavanda, pôs o disco de Noel e cantarolou a varrer...
Olga acendeu um cigarro, pegou uma xícara de café e se ajeitou na almofada amarela logo abaixo da samambaia que ganhou de presente de José, pensou em José e no seu riso de irmão. Gostava de ver a fumaça subindo  entre as folhas e tão perto do céu. Voltou a confabular descendo os olhos pela parede molhada da chuva de ontem.
Penso com Olga, que o vitimismo é arma pra poesia e não pra vida. Ora, Ernesto- que poderia ser Maria e ouso até cogitar meu nome, porque não?Pois apologia está fora de cogitação e evito a fadiga- era o homem da casa, um bom homem, calmo, sereno,  racional, pacífico, tinha gosto refinado, era cavelheiro, tímido e de um riso de som peculiar, seria o melhor exemplar da prateleira; noves fora zero, era um Charlatão de si mesmo. Adequando o mundo às suas ambições. O corpo tem de esfriar com quanto tempo? Ernestos, Marias, e toda essa trupe que podem ser sim seres humanos bons tem um peso na aura. O egoísmo. Ernesto foi embora de casa sem dizer uma palavra contra o ato de Irene que  tinha lhe confessado semana passada  toda chorosa que ainda o amava, mas estava tudo rompido, acabado, zerado, destruído. Desde que viu o bilhete de Diana,  o olhar da caixa da padaria que entregava quantas filas Ernesto enfrentou ali com Irene e mais vinte nos últimos anos, e quando atendeu o telefone e era Teresa querendo falhar-lhe "nada demais" às 11 da noite.  Ernesto esfregou na sua cara sua pior e sua melhor face.  Saiu sem dizer nada, desejando-lhe boa vida cordialmente mas pedindo que a mesma não fizesse o que ele fez.  Ninguém poderia ver as feridas de Irene se curando, até que a sociedade inteira tivesse consciência de seu rompimento, assim a memória de Ernesto não precisaria dar explicações sobre a leviana com quem se casou. Onde já se viu, seguir uma vida normal depois de tudo?  Ainda bem que foi embora, por sorte ele não teria uma reputação mais manchada ainda, não é mesmo? Ernestos e Marias sempre tem dois lados. De quem você acha que Irene sente saudades? De que adianta tecer fio a fio sozinha ? A solidão come os miolos da paixão. Ernesto tinha o gosto dos peitos de Virgínia na boca enquanto Irene estava dormindo ali, e esta ainda tinha de passar o período do luto. Ernestos e Marias sempre vão estar bem . Irenes também, mas há um esforço por trás. Irene nasceu do fogo e nasceu pra velejar, e foi assim que Leonel a viu. Como Ernesto fez questão de esquecer entre outras coisas que nem sabe mais o quê.  Sua alma já estava ficando pequena pros vícios afetivos que aceitara, - Depois a louca sou eu- É engraçado, o sofrimento dos homens é sempre bonito, já o das mulheres não passa de puro desequilíbrio. Mas Ernesto havia se enganado. As donas de casa deixam tudo na mais perfeita ordem antes da sua partida, Vê quem pode, enxerga quem não é cego e julga quem que nunca dormiu virado pra parede.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

VOCÊ

eu durmo mas não me calo
Me calo não que a voz veio de graça
Ah, vê se dispensa a tua moral
faz batuque na canela antes de me encarar
Seja gato ou lebre
Venha leve,
quero dizer, revele só o que há
não me dê o trabalho que eu não me dou
Pois bem, estou aqui de passagem
Vacilo bem rodado não merece meu sorriso
eu atravesso os dias no olhar que não é barrado
Alivie o tempo que te é emprestado
E antes de ir, meu bem, meu zen infinito ser
Ache o seu ímpar e desmedido lugar.

INSONE

Dentro dos céus o homem há de encontrar
A aurora de cor igual a pele que faz arder
Desejo mesmo que a dor do zinco quente te marque
Bem tal qual meu peito fere em brasa na distância
A cama continua no mesmo lugar
O corpo sempre vai mudar.

Seu poema.

Era eu porra nenhuma.

CHARLOTTE MAREJA

Respiro fundo enquanto as águas passam
Acima, os peixes.
Nem vejo meus pés. você os vê?
Dou piruetas meio ao oceano
afim de findar  os risos do repuxo
Lembre bem que as palavras não voltam
O juízo afinal, já está por ser mencionado
Todos os planos da fogueira existem
mesmo antes das cinzas
Sei.
Estou  longe, longe
Eu sou o olhar de  Charlotte no meio da chuva.

RENASCER

Os bandidos invadem a casa enquanto passo a catraca
Abraço a vida enquanto deito e recebo a onda.
Sal desce, desce mais um pouco e sara os pés
Qualquer caminho vou, mesmo em descompasso
Sei por onde meus olhos se salvam
Quero de outro jeito agora, outrora
Quero de dentro do peito
É o defeito do sol
Me fazer viver dentro das horas.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

REDENTORA

Trate de levantar o queixo
quando o martelo do desejo cair  no pé
e machucar o dedo
Nada é mais libertador que estar sozinho
no próprio peito.

EMPTY

Vez por outra esfrego as mãos e olho
vejo que há linhas demais vazias
Olho para trás e vejo tudo no caminho
deixei na marra escorrer por entre os dedos
deixei tudo a mercê do destino
Não se pode seguir segurando bagagem por dois
estando sozinho.

Cinzeiro

Pensando, me dei ao luxo
e fumei o último cigarro que deixaram no criado mudo
Percebi que o futuro adeus nos pertence
então ouça o conselho do pássaro taciturno:
Leve só  o que pode deixar pra trás
Tudo aqui flutua e é de súbito
Mesmo que te pareça absurdo.