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A escrita sempre foi fiel. Os episódios aqui encontrados são batizados de Escarros pois os mesmos são expurgos íntimos e partos divinos diferencialmente temperados pelos versos e circunstâncias que os compõem. Muitas vezes escorrem coisas a todo o tempo sem controle, disso tiro a lição e arte que se eterniza, mesmo que a poucos olhos. O valor é da existência. -Se fosse objeto seria polaroid, cuspiria poesia.

domingo, 29 de julho de 2018

DEVANEIO DE OLGA: SOBRE DESORIENTAÇÕES.

Talvez a ilusão seja a prova mais concreta da realidade. A descoberta é o reconhecimento do instinto. As criaturas desejadas são realmente desejáveis? Me vejo entre cínicos e perturbo-me. Onde, onde a minha presunção vai me levar? Imploro por respostas outras. Como um jogo de xadrez arremato todos. Não sei jogar xadrez.   Dou-me direito ao ódio, dou-me direito ao castigo também. Canso de exaustar-me, é possível estar exausta de estar exausta? Na espera aprende-se o que diabos? Contenho-me. O mais esperto sobrevive, o mais esperto adapta-se. Há prisão pior de que aquela em que o inocente delata a si para salvar a pele dos lobos? Eu, que atendo o telefone quando toca, que fui talvez leviana em mergulhar em uma piscina sem água.Eu, que talvez tenha insonias e saiba porque a tenho. Eu,  que tenho tido problemas estomacais por conta de uns olhos, de um corpo tão distante, de um corpo de mulher. De um riso falso  que desperta nojo cada vez que compartilho o seu corpo através de outro.  Que alma aprisiona o corpo que me destruiu? Pera lá que não te entrego tudo, gosto de enfatizar a dor para que no auge da minha bondade eu não esqueça o que foi capaz. Eu, que sempre corri com os lobos e que muito silencio por medo de ausências. Eu, que a qualquer momento não me reconheço e tenho de pagar para voltar ao juízo perfeito. Eu, que há anos não precisava de pílulas até que tu, num maldito dia, chegou ao meu terreno. Eu, que ri quando me chamavam ''territorialista''. Eu, que tive tudo colonizado por teus malditos lábios, por tua pele fria, quente e desgraçadamente convertida em suor no meio das arquiteturas que te receberam às  escondidas.   Eu, que fui pisoteada quando entreguei o meu ouro. Quando dei minha confiança ao homem do porto. Eu, que julgo a mim como preciosa e a mim só resta a redenção do perdão, o ato heróico de perdoar. Eu, carrasca de mim. Eu, que acredito piamente nas palavras até que as ações sopram o vento. Eu, tão limitada e tão suja. Tão feia e vista de cima. Eu, tão socialmente inaceitável. Tão boba e mimada. Eu, que não sei o que se passa na mente dos homens e ajo como se sim. Eu, que me vejo agora como sou, dona de nada. Sem correções e desmedida. Eu, que tenho vontade de derramar  o choro que engulo todo dia. Qual o castigo merecedor para aquele que caminha junto e é apunhalado? Continuar a caminhar com as feridas abertas? Ser  amordaçado? Certamente. Esquecem-se de que não me adapto a dor alguma. Eu corro com os lobos. Sinto-me explosiva. Dinamite de mim. Desarma-me ou desama-me. Dou-te uma escolha para que se livre da força da lua. No melhor dos casos, imploro para que não cruze meu caminho, Sáenz.

domingo, 1 de julho de 2018

DEVANEIO DE OLGA: CONFISSÃO.




Era de arder os céus quando percebi entre arrochos urbanos o sufoco que me foi proposto. Indecente. Os olhos atravessavam semáforos e o silêncio invadia os ouvidos. Por onde devo ir? Puxei de meu bolso, minimamente furado, uma bússola estraçalhada pelos corpos muitos que agoniaram-me no trajeto até aqui. Avistei sóis e um barco. Eu avistei a imagem do silêncio e profundamente chorei. Às seis da tarde, entre a melancia e a tabacaria existe um momento em que o caos aumenta. Subi numa espécie de meio fio e lá me dispus a ficar. Um minuto. Eu precisava de um minuto para sentir o clima. Ah, me sinto exausta. Sei que há cura mas o caminho ainda está nublado. Entre os meus dedos não existem outros dedos. Ter mãos vazias é algo quase normal, ter mãos abandonadas...Eu sinto em extremos espasmos, visões hipotéticas. Agudos espaços invadem as horas úteis do relógio urbano, ter uma horta e poucos vestidos talvez me tornasse menos tola. Meu corpo é tolhido pela movimentação óbvia da gente grande. O homem da quitanda causa asco e cumprimenta o pai. Para onde vão os sonhos das crianças? Há o sótão de coisas vãs lotadas em cada meio fio que serve de calçada para as cabeças que sentem frio. As cabeças tremem. Onde há cura na agenda lotada? Onde há possiblidade de cura em uma correria incessante de tornar-se aquilo que não se é. Quero me ter de volta. Quero entregar tudo nas mãos de quem almeja essa vida que o meu corpo não pede, que já é alheia ao meu corpo que já padece em escolhas vis. Quero entrar na viela colorida de dona Ângela, quero poder sorrir para as crianças, quero estar em meu silêncio, ausente de sirenes e carros e corpos insinuantes que jogam meu coração na boca dos tigres. Quero aquietar os ratos barulhentos que passeiam em meu travesseiro, preciso estar viva para as águas, preciso estar viva para erguer as mãos aos céus e num choro de conexão receber a lua,  preciso me curar da selva, preciso perceber o amor escondido na agonia da manada. Os búfalos de terno trituram meus sonhos. Eu estou tão cansada, preciso tirar as botas.


Ilustração: Meninasombra.