Quem sou eu

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A escrita sempre foi fiel. Os episódios aqui encontrados são batizados de Escarros pois os mesmos são expurgos íntimos e partos divinos diferencialmente temperados pelos versos e circunstâncias que os compõem. Muitas vezes escorrem coisas a todo o tempo sem controle, disso tiro a lição e arte que se eterniza, mesmo que a poucos olhos. O valor é da existência. -Se fosse objeto seria polaroid, cuspiria poesia.

sábado, 8 de julho de 2017

TADEU

A pior covardia de Arnaldo foi ter visto Olga nascendo, crescendo nos terrenos seus. Não existem mais nós. Alguma garganta sobrevive ao grito da falta?  O azulejo de voz mansa... vencer a vida? O ganhar no chegar teu não existiu, Manoel. Tem noção de que a vida tem sentido totalmente ridículo? Olga acende o último cigarro que Junior deixou por que era o jeito. Eu sabia que referencia era importante e naquele tempo, depois de tantos tempos na madrugada,Olga chorou. O beijo de outro lábio, o verbo desisitiu. Venceu a vida.

terça-feira, 27 de junho de 2017

HOMEM DE VINTE E OITO

Onde o porteiro era calado os dias passavam de olho na janela branca, o homem quase albino mostrava a alma e beijava a própria testa se cuidando. O tempo foi guardando no bolso os recibo dos postos de gasolina. A casa do 'cabelo' nunca mais foi avistada por ninguém. Pra onde vão os sonhos depois de acordados? Calado, o menino balançava a própria existencia encostado no muro do chará na quadra 09. Quem perdeu um amigo perdeu os bordões de um carnaval inteiro. Se o corpo ficasse só marcado... O homem brinca de Deus e no fim se vai com ele... com ele? Eu não preocupo mais, dói, não tanto. O homem de vinte e oito não prolongava sofrimentos quando pedia a média gelada no balcão, risonho. Voz feminina vinda do coração sagrado, teus pais tem olhos de vida embora tua mãe tenha o silencio ecoado nos azulejos do banheiro contemplando a ópera angelical dos discos do quarto. O querido permanece. O homem de vinte e oito me ensina todos os dias que cada dia a mais é um a menos. Nisso eu tento dobrar as avenidas. Todos vamos tentando porque o seu leonismo nos tirou do lugar de vítima. Não perdemos nada. Rimo a facilidade do encontro como quem rima e se encanta apavorada no círculo das efemeridades. O mundo tem de conhecer o que o homem de vinte e oito queria. E onde o amor for infinito... como é mesmo? Na última página das referencias corroboravam as suas ideias. Durante algum tempo a palavra insulina me fez refletir, introspectiva. íamos todos ao mesmo lugar. Poente e de barriga rosa olhando o céu no amanhecer inconsequente do lugar de onde nunca foi embora, que tu tenha encontrado o teu lugar. Acima desse açougue os sem sexo contemplam os que não são canibais de alma. Um sopro no ouvido e os sons do piano não são tristes pelo simples fato de que a conclusão do aleijamento da lembrança é burrice. O homem de vinte e oito encontrou o lugar onde o amor era infinito, não há nenhum lugar de amor infinito sem ser na lembrança. O tempo come as rédeas e as vontades. O tempo come a paixão e as tetas.  O corpo é mais contemplado que a alma, mas os olhos ainda enxergam acima da atmosfera, o teu som visto como inocente é  o querer dos que esperam descansar.

sábado, 10 de junho de 2017

CORAÇÃO DE FOGO

Cheguei. Revisitando uma a uma.  De certo estou aqui há muito, no entanto não olhei pra dentro um só minuto. O caminho das coisas vãs se fez vislumbre no puro deslumbre do ego. O eco me achou. As dezoito saias me resgataram do ego. A lua mãe há muito já existe. O  silencio das pernas cortaria os cordões. Exausta, eu estava exausta quando Olga andou no tapete vermelho fazendo círculos querendo talvez encostar em qualquer canto que fosse, pois de tudo que é cansativo  dói mais ouvir o próprio zumbido. Vil e mortal, e antes de tudo sagrada pela terra roxa eu senti o quadril viver. Correndo do lugar que tanto almejava chegar antes das duas da tarde, pois quem chega depois fica sozinho, foi isso que me disseram desde que pulmão se encheu. Doce alusão entre nós. Visto-me de dentes que não mordem e encaro as serpentes num grito contido da íris. Não há intimidação no rugido da onça, ele está no olhar. As línguas  maldizem mas o olho não mente. Desconfio de olhos de cantos fechados e cálidos. Deixo-me guiar pelos olhos vívidos fechados. Olga respirava fundo e sentava ao meu lado reconectando-se a mim. Perdi meu avatar em que esquina? Os girassóis moram perto. A preciosa cantava na calma enquanto a sala de estar enfeitava os corações. Perambulei nos rumos da lealdade carregando pesos outros que não me pertenciam e de tanta sinceridade despedaçada, tornei-me híbrida. O coração pulsa. Quando não estive no lugar certo os outros se encontravam facilmente. Eu dou meu lugar- exclamava a criança desprotegida de si. Há uma espécie de varal pendurado entre os sotaques de facetas articuladas e ainda que muito difícil seja não se distrair, com muito custo de concentração nunca se romperá. Acordo quando vejo Venus e permito-me calar quando não há profundidade. Fractal, eu quero escorregar no meu fractal. Não há erro em enxergar cinza e só assim valorizo o colorido que me volta. Peneiro,  Há um leque de possibilidades a quem estende os braços ao acaso, e quem pinta o acaso de descaso a leoa não perdoa. A voz doce não se confunde no meio da multidão. O olhar das girafas é muito charmoso mas já viu um elefante repousando? 'E além de nascer o que de mais lindo haverá?' Revelou a voz doce silenciando as taças no deque. Atrevo-me a resposta do encontro, o bom encontro, o de ti e o contigo. Olho por cima da avenida alta que tem nome de Noronha e vejo a tarde alaranjar o telhado de quem come feijão. A fumaça mancha os olhos de quem se encosta na porta de casa. Estamos todos sempre em busca, concluo. Devolvo todas as cabeças em cada corpo e retiro-me de seus costumes póstumos. Volto pra onde não preciso ir embora, do contrário eu nunca estive aqui. Meu coração é de fogo.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

PÓSTUMOS VALORES

Manoela estava sentada á direita do bonde. Os trilhos entorpeciam os seus ouvidos. Uma asa no céu pintava a nuvem. São todos tão equilibrados, menos o menino no colo da mãe loira de duas  tranças feitas pela raiz, na testa. o penteado de uma rainha no corpo da mulher pobre. Os olhares deles todos ali configurando a cidade estavam para além da nuvem de asa. Fui reparando banco a banco, como se pudesse ao menos prever a personalidade que chegaria no determinado ponto, na finalidade de absorver o cotidiano. Enxergo formas adquiridas pelo tempo. Comecei por Honório que tinha uma leve curvatura entre o lábio inferior e o queixo que faziam com que eu recordasse da curvatura de Mirla, busquei-a no portão da casa artesanal. Foi a última vez que a vi antes de borrar o batom na partida. Era o tipo de boca das pessoas observadoras que pareciam ter o olhar longe. A mulher sentada atrás,  de queixo á frente era cuidadosa, é assim que elas são mesmo que por vezes pareçam ranzinzas. Cecília lia algo desconfiada no banco á esquerda, e tinha as narinas abertas, as mulheres de narinas á mostra sempre escondem algo, mas nem sempre é prejudicial, ás vezes é sábio ser safo. Paula era a última da fileira e tinha cílios longos, era possível ver a chama branda de seu coração. Ali, atrás de todo mundo, Ernesto. O típico ser que teima em não fazer parte da sociedade e sente orgulho como se de forma alguma ou de forma muito especial na sua conjectura de si mesmo ele já não estivesse imerso em suas próprias ilusões. Qualquer um sabe da própria verdade se cavar a fundo, mas Ernesto já teria descoberto tantos eu's que só lhe restava sobreviver e fingir até se tornar a verdade. Talvez eu não confiasse em homens de boca fina por culpa de Basílio. Rosa era observada por seu quadrio vasto mas não haveria nada de mais sublime em seu rosto que as suas covinhas anunciando o aumento de seu quadril no meio século de vida. Renata fazia alguma costura para a sobrinha e tinha as maçãs acentuadas, quem carrega essa marca geralmente tende a apaziguar o futuro por ter tido total desconhecimento passado. Não falarei das bundas, não ainda. O filho da mãe loira ainda estava ali quando o reparei olhando para os lados e sua pupila pequenina aparentava delicadeza no espanto, vontade de fuga e conformismo. Ele estava destinado a viver á espreita mas certamente saberia correr. A viagem seguia tranquila com todas as demencias comportadas entre as lacunas de amparo. Eu não poderia lhes dizer aquela altura que estávamos seguindo rumo a coisa alguma. O sol daquela manhã não lhe fariam acreditar. Na curvatura do bonde  sorveteria aparecia, as navalhas na barbearia de Alceu trabalhavam na velocidade do relógio de Aristides que morava acima e fumava 3 cigarros a cada hora. A solidão da cidade caminhava de braços dados e eu era agarrada aos coretos da praça. Tudo ali morreria e as pessoas teatravam a imortalidade.

Devaneio de Olga: Confabulações noturnas com Ícaro.

Olga acabara de interpretar uma das estrelas do apartamento de Larissa quando resolveu perambular pela cidade. Resolveu se reaproximar da música de Arnaldo. Estava escutando a patrulha do espaço quando atentou a parar no bar mais calmo e próximo, ao menos analisava onde cabia e quase não cabia na cidade.
- Você está entendendo esse jogo de esfinges? Perguntou sentando ao lado da mesa de Ícaro num suborno a própria timidez.
- Estou. Não gosto nenhum pouco.
A superficialidade humana pedia um cigarro a Olga,  Ícaro carregava isqueiros.
- Podes sentar... aqui?
Olga já levantara.  No fundo o sol em áries lhe fazia saber a que veio.
A tortura da subjetividade estava na transmissão corporal. Ela gostava de reconhecimentos espirituais. Tocaram "cortesia" como ela pediu, e cá pra nós qualquer cantor quer calar a boca de quem muito pede ou fica feliz em não ter escutado "toca Raul" embora fosse uma das próximas.
-Você fala bonito.
- Eu só cantei.
- Você cantou fechando os olhos. Pensei que só eu fazia isso.
Janaína, que estava sempre perdida com cara de autonomia em pessoa parecia estar com ódio quando olhou o vocalista. Era olhar de mulher compenetrada, os olhos castanho avermelhados assim pelos finais das frases cantaroladas.
Às vezes o acaso permite o sorriso extremo...Gargalhada: espécie de riso aberto na boca de  quem muito já sofreu.
A quitanda da Santos Dumont a emocionava pois as árvores ainda não foram cortadas pelos fios dos postes,  conseguíamos ainda  ver o céu verde. Há uma incapacidade humana de ser feliz. Percebo isso quando Celecina tranca as portas de sua casa e não deixa uma lâmpada acesa sequer. Eu me torno feliz neste momento por que a visão de Celecina guarda os pássaros que nãaise pode quando só ela viu. O poder de ser guardado no olhar do ser vivo ultrapassa as paisagens. A significância se agarra ao significado. O céu chama.

- A escuridão também te atormentou?
-Por longos anos, Olga.
- A mim também. Mas... percebe as nuvens densas?
- E o que tem?
- As nuvens densas não te parecem nada?
- Geralmente desenhos.
- E as espalhadas?
- As espalhadas nada. Podes me dizer o que pensas?
- Quase ninguém quer saber.

Acendem um cigarro e se olham mais profundamente que no último natal.

-Bem, as nuvens densas tem sentido, tem forma. Não te parece chumbo?
- Não, eu acho bonito, parece peso de peito. Olga é um som bonito, aquele de livro pesado caindo na mesa.
- Eu não gosto do peso dessa nuvem, embora ache bonibo, eu gosto de ver o azul.
Ícaro mostrou os dentes por baixo dos olhos que ficavam logo abaixo das sobrancelhas mais protetoras que Olga já viu.
Acontece que a ilusão para Olga é como a nuvem em formato de qualquer coisa que fosse. Algo que impedia de ver. Que mostrava a superfície. Olga era a viajante em busca da fonte do ser: o afeto real.
As nuvens espalhadas mostram sem vergonhas o azul por toda parte, o espalhado até parece mar. De chumbo passa a ser fumaça solta. Solta.

Ainda é possível brincar com as nuvens. Manoel trouxe uma cerveja pros dois velhos conhecidos tímidos. Pois uma coisa há de ser bem certa, o céu não seria o  mesmos dali em diante.

sábado, 20 de maio de 2017

O GALO

Já era próximo de meio dia quando Erasmo carregava uma caixa com uma espécie de furos nas laterais. Eu estava sentada observando a samambaia cheia, mas sempre naquela época do ano ela secava. O gato se debateu uma só vez enquanto falávamos. Ali não estrava luz suficiente e ele já nem esperava mais algum tipo de libertação.Celecina preparava as carnes do almoço e confabulava enquanto seu neto imaginava o sofá menor, ele era inadequado. A pequenez da cozinha acomodava os últimos minutos do galo. Quem come galo? A carne é dura, vão até reclamar. Morrer e ser comido como se não fosse capaz nem de despertar se não a fome, ao menos a vontade de comer. Era o pior fim que poderia existir; morrer em vão. Se ao menos deixassem o bicho lá, morrendo por gosto de Deus quem poderia reclamar? Seríamos todos  inocentes. O bicho começou a se debater novamente no mínimo por que já escutava os passos de Celecina . O galo não cantou. Uma azia me corroeu e fiz como faço sempre que não quero participar de algo; corro pra de trás das cortinas. O galo passou pouco tempo sob meus comandos, pensei em libertá-lo mas o meu fracasso venceu quando eu lembrei que quando estou faminta devoro a mão de quem ousar. Enquanto a caixa era aberta eu sentia o sopro de vida, eu só pensava que talvez o galo fosse capaz de sentir, uma última vez. Durante um tempo passado eu também respirava pelos buracos, no entanto não houve ninguém que se dispusesse a terminar o serviço. Oxalá preparou a corte e a escada de forma que eu tinha que voltar á vida para que todos aqueles que deixei esperando, me encontrassem de volta. Foi a viagem perdida e eu reconhecia finalmente o teto de minhas casas. O galo fez aquele som que só é feito uma vez pelos galos, na hora da morte,  pela última vez. Comi pão com café naquele dia e fui capaz de me sentir a mais feliz das criaturas, depois de sair do escuro da caixa eu era pastora de meu próprio terreiro. A liberdade de me entender pequena fez com que o lodo do beco parecesse tapete bonito de pisar. Assim devem ser os corações dos homens que matam galos pra sobreviver, solos bons de pisar. Para que uma alma seja alimentada a outra não deve ser afetada. O galo tinha alma e sangue e agora não existia mais. A geladeira virara laboratório. Eu estava condenada a lembrar do som que o galo fez, mas não me importava mais que não tivesse feito algo, entendi através da quietude do galo, que foi passivo até a hora de sua morte que alguns percursos não tem outros fins. Ele estava conformado e eu deveria fazer o mesmo. A minha sorte foi  por circunstancias  outras resgatarem os princípios que havia perdido no meio do caminho, acho que a tardinha vai chover, vou visitar Marina antes das seis.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

FRAGMENTOS ANTES DA INEXISTÊNCIA

Caros, a expressão literária abaixo se vale de experiências reais coletadas em prol de formatar a discussão sobre o suicídio e a depressão ( quadro geralmente desenvolvido antes) de modo que os reais motivos sejam expostos e há muito custo compreendidos. É anti ético consigo mesmo interpretar cada episódio limitado por apenas uma frase com ar de estupefato, uma vez que a sua verdade não é do tamanho da verdade do terceiro. E cada um sabe a dor que carrega. O intuito do Escarros Poéticos é transcender a barreira negativa que a discussão carrega ao mencionar o que atualmente é apelidado de "bad", visando destruir todo e qualquer tipo de forma de negligenciar a grandeza e a profundidade dos atos. De perto ninguém é normal e se você se julga como tal, nem precisa continuar lendo. Seus olhos iriam sangrar com a lâmina da apatia. Aos que carregam consigo, carregaram ou conhecem alguém que tem traços psicológicos que precisam de um cuidado, mas romantizam ou fogem do tema por que não suportam "tristezas gratuitas" recomendo que se olhem no espelho. Ainda dá tempo de conhecer o que é depressão e como ela pode e deve ser combatida. Aos que aqui estão mencionados e se reconhecem e aos que não são mencionados mas se sentem mencionados eu deixo o meu muito obrigada, não desista. Chega de lutas por dentro. O sol nascerá.







O cansaço surge da desesperança. Bem, nem tudo há de ter importância. Toda vez que a filosofia de que se importar é fazer um enorme favor, uma estrela cai do céu. Percorro entre os traços da cidade na ambição de ultrapassar as tangentes. Ela deve ter razão quando diz que eu não preciso mais de seus cuidados. Ela não disse isso, mas quase... O momento em que a consciência volta é mágico. Eu gritei mais uma vez, eu odiava gritar. Gritar enfraquece. íris está caída no chão da praça. São três da manhã e eu não consegui dormir. Nenhuma luz surgiu no quarto, a luz apagada não incomoda e isso explica muito a insignificância. Está um pouco incômodo, eu não consigo me ajeitar no sofá da minha casa. O meu coração está inquieto e silencioso.Perdi meu bêbê. Perdi meus pais. Mudei de casa. Não nos reconhecíamos mais. Sou dependente emocional. Preciso de ajuda. Eu perdi a mulher. Eu perdi o cachorro. Eu perdi o juízo. Perdi o emprego. As janelas parecem não dizer mais nada. O meu quarto não tem janelas, lá não pode entrar areia. Meu pai me espancou no aniversário de quinze anos. O meu me trancou. Eu não aguentei o fim. Ninguém via o vazio. Pensei que ia ser morta por um raio. Eu não posso andar na areia. Eu não posso sujar a casa. Inácio poderia ser qualquer coisa e nunca ter me amado de fato, mas não precisava Deus fazê-lo um sociopata. Meu melhor amigo morreu. Folhas secas, muitas folhas secas no jardim da casa de Pedro deram um trabalham para limpar. Dois sapos só este mês. Nenhum ginecologista esse mês. Nenhum assalto também. Nenhum beijo desde que Vicente foi pra guerra. Eu gritei mais uma vez, eu odiava gritar. Meus remédios acabaram e meus amigos estão felizes demais naquele bar em que eu fazia toda a diferença antes deles terem uma sinuca. Meus amigos... caixa vazia. Eu estava só e ainda tinha que aprender a cortar o cordão umbilical sozinha. Mas eu nasci grudada em alguém. WAVE? Alguém aí? Nem Tom Jobim? Faço mais um drink, tomo mais um trem à Tóquio. Passo na frente do Hotel e cinco passos depois volto. Será que dá tempo de eu sentir dor? Isabela vai olhar pela janela e crescer traumatizada. Não, seria muito prejuízo. 12 crianças na rua da escura da escola podem se transformar em 12 monstros. 12 monstros e um segredo: o primeiro assédio sexual ninguém esquece. Estranha. Você é muito estranha. Você é feia e usa óculos. Você tem tudo mole. Você é muito, muito feia mesmo. O gorgo sempre caía e ficava sem sapatos. Eu sou grata. Eu te amo. Evolução. Não sei o que sinto.  Ho'ponopono. Meu filho não pára de chorar. As gotas de orvalho ficam doce pela manhã. Morgana fumava mais um cigarro enquanto Íkaro fazia o que não sabia, mas Rodrigo sabia. Aquele velho da quitanda passou a mão nos meus seios. Eu odiava a escola. Qual foi a última vez que você levou a sua filha ao médico? Por quê as pessoas não se abraçam? As pessoas fedem, os seus corações fedem muito. Nascem flores no cu. As flores cheiram. O cu faz menos mal que a boca. Finalmente as pessoas parecem flores? Espeto. Jorge é um bom amigo, Jorge é engraçado. Eu perco carona pra escutar Pink Floyd na janela do ônibus e fingir que ainda sou eu. A mobília do meu coração estava por ser devorada pelos cupins. Houve um sopro. Eu finalmente dormi. Espero que mamãe fique bem, deixei a casa um brinco. A vida urbana me adoeceu. Eu odeio o banco. Me sinto ninguém. Estou na casa dos 30 e moro com meus pais. Espero que Inácio esteja bem, não joguei a merda no ventilador e ele pode continuar me chamando de louca pela cidade inteira. Espero mesmo que todos evoluam à ponto de não precisar nunca estar aos cuidados de ninguém. Estão todos fartos. A sociedade corrompeu os homens infelizes. O circo está sem pão. O lodo vai aumentar no quintal.  Eu quero o declínio do afeto real. Eu queria ter deitado na rede. Eu juro que quis pintar nossa casa. As pestanas vão continuar queimando rumo a nada. Não me vali de nada do que rezei. Não plantei uma árvore. Mal cheguei até aqui. A grama era mais verde.Eram cinco da manhã quando vi todas aquelas cabecinhas lá embaixo. Lá vai Olga, pensei que tinha mais algo a dizer a lhe dizer. 

segunda-feira, 24 de abril de 2017

COMO FUNCIONAM AS MÁSCARAS DE OXIGÊNIO NO AVIÃO






Primeiro: você tem de lembrar que tenho medo de altura. Segundo: quando eu estou nervosa eu não penso. Terceiro: acredite quando ele disser que eu sou louca. Quarto: Vislumbre o pior, apesar de tudo, você vai se sair bem. Não acredite no que sua mente quer se o seu coração te diz o contrário. Esta não é uma história de amor, é um breve vislumbre da ilusão, e com tal, não merece mais do que algumas linhas. Ouça o conselho da deusa que habita em mim. Ela saúda você. Todas as deusas que me guiaram também te guiarão. Esteja feliz, mas antes esteja atenta.


Encontrei Lucília na praça exatamente às 17 hrs como combinado. Eu já era apaixonada só em ver seus retratos na porta do cinema. Na verdade eu ia às suas apresentações quando Ernesto viajava. Na maioria das vezes só. Pois ele fazia o mesmo quando eu viajava a fim de comprar tecido para enfeitar as moças da cidade que ele tanto gostava. Nenhuma delas. Existem três tipos de homem, eu desconfiava de um quarto ser híbrido mas seria demais para a sociedade. Não seria, é. Acontece, caro amigo que está aí, que a clareza é um inimigo muito forte para que não sejamos totalmente aliados, para que a mesma não nos seduza para o caminho da luz. E para chegar ao caminho da luz às vezes temos de andar no escuro, no total breu, não sabendo o que é veneno e o que é comida quando nos oferecem um banquete justo na hora da fome total. Foi assim que sentamos no banco e enquanto eu acendia um cigarro que Morgana deixara no criado mudo, disse:
-Você está com fome?
-Não, mas quero batatas-fritas
-Vá ali na barraca e pegue àgua pra mim, vá lá, tome aqui uns trocados. - disse a Lucília enquanto ela aplumava a juba a nos proteger do sol. Era muito bondosa.
(...)
-Vim falar sobre Ernesto.
- Não quero falar sobre Ernesto
- Vim constatar o seu diagnóstico: você não é a louca que todos pensam Olga.
- Não sei se estou interessada ainda.
- Podes me ouvir?
Por karma ou cosmos deixei que Lucília falasse mais, não por que eu quisesse saber como Ernesto arquitetou tudo, mas por que o som de duas palavras era  perfeito pra estudar fonética. E a sua boca rosada era o rabisco do capeta na literatura portuguesa.
-Então ele foi capaz de levá-la ao quarto andar do prédio mais antigo da cidade?
-Foi divertido?
-Sim
- E o que mais?
- Relutei dois dias para ir à sua casa, mas ele falava com o vento entre os dentes e às vezes soltava a palavra destino, amor e doer na mesma frase, eu me encantei
-De fato, de fato...
-Tem outra...
- Então me conte somente algo . -Interrompi. -  As cartas que ele lhe entregava eram de quem?
-Dele mesmo.
-Mas ele assinava com o nome de Inácio.
-Não existia Inácio nenhum, eles trabalhavam como caixeiro viajantes juntos. Era o àlibe perfeito para que você nunca desconfiasse. Por mais que tenha lido a carta, pensaria que a mesma tinha sido escrita por Inácio.
- A`é que tu te enganas, pobre menina!
-Você fuma demais. E também é esperta demais.
- E você come demais.
-Você é tão bonita.
- Você é mais.
Era uma tarde de 20 de Abril quando constatei o quanto Ernesto estava certo todo esses anos. Eu era louca, definitivamente louca. O medo é o pior dos quatro inimigos e não há forma pior de ter medo que desacreditar da própria intuição. Há uma lei entre os tempos, entre as constelações e as magias.
Quem não aprende por empirismo não consegue dar fim à elegia.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

MANTRA DA SERENIDADE






Que em cada canto dos teus olhos o colorido te absorva
Que sejas bem feliz sendo quem és e também onde
Que o sagrado perpetue em tua alma a ponto de te guardar em paz todas as noites
Que teus dias tenham o gosto que as tuas decisões felizes te proporcionarem, pois teu corte de caminho guarda a justiça.
Que tu estejas no meio da família e tenha o teu pequeno carregando o teu olhar quando avistar as flores pequeninas do oriente
Que a tua aura encontre no insight a presença da aura irmã, amiga entre as fendas rasgadas do tempo
Que o teu olhar nunca mude em cima dos olhos da tua amada e que os olhares sejam tão profundos até adormecerem no  hálito doce um do outro
Que tu estejas em paz sempre quando estiver na tua rede, na tua varanda observando...
Que as tuas tardes sejam silenciosas por que bem sei que pensas,  fazes tanto barulho a ponto de pifar...
Que em cada esquina tu tenha a alegria de receber a mão que te guia além da tua própria
Que quando tu estiveres na praia o vento invada teus ouvidos e sinta o teu coração como parte de um universo ímpar
Que tua voz nunca se altere e que teu coração nunca chore por ter sido quebrado
Que tu sejas o teu próprio alimento como eu aprendi a ser o meu quando a saudade preenche o abrir de olhos pela manhã
Que tua cama tenha a presença firme do espírito que te acompanhar
Porque tu mereces o bem querer mais bonito que esse planeta em expansão pode ter
Que tu sejas bem feliz na hora de desencarnar de peito aberto por que és parte do caminho de muitos que cruzaram o teu
Que o teu riso seja aberto
Que tu tenhas os maiores êxtases e sinta-os, por várias vezes enquanto olhas do alto da montanha, o valor dos teus dias
Que tu sejas bem feliz quando te faltarem os dentes e os cabelos
Por que és o sagrado do sagrado entre os tempos e mesmo coberto de ouro reconheça que é mais feliz com o amor de pé no chão, juntando as moedas.
Que o encontro seja de dois por quê não mereces ser peixe fora do aquário que tanto tem paz em nadar
Que a tua comida seja talhada por tuas mãos silenciosas e doces
Que o teu jaspe encontre outra pedra ,e sinceramente, que não seja joio
Que tu te reconheça no outro e sinta o valor divino do amor real.

Por Tarciana Ribeiro
(Imagem meramente ilustrativa)

domingo, 26 de março de 2017

DEVANEIO DE OLGA: CONTO DA EXPANSÃO PARIDO DO DESEQUILÍBRIO



Estávamos no carro de Lúcio quando olhei pra Charlotte e a vi mais linda que nunca.
- Liga esse som! Ela gritava com sua voz rouca de quem acabara de acordar em quase todas as suas respirações.
-Lúcio era o nosso amigo mais dócil, talvez por que sua mãe fosse sagitariana. Riu e levantou os óculos escorregados pela oleosidade da pele, com o indicador; Lúcio odiava o dedo do meio. Isso mostra muito sobre seu caráter. Ele não o usava nunca, exceto para passar as páginas do gibi do homem- aranha.
- Olga, no que você está pensando? Ouvi.
- Na casa de número 3686. Tu já vistes? Eu sempre quis entrar lá.
- Eu queria saber como é que começa esse teu raciocínio, isso sim.
Nós estávamos prestes a parar no trailler da cidade que nunca fecha, eu sempre carrego moedas por que as experiências do lugar onde morávamos era essa, carregar moedas, sempre.
- Vocês querem o quê?  - O garçom perguntou mexendo a caneta como se tivesse anotando, ansioso por começar a escrever o próximo pedido dos 47 que já tinha feito naquela noite. Um aperreio sem fim.
- Uma cerveja, por obséquio.
- Tu não cansas de beber?
- Tu não cansas de perguntar. Deixe-me. Você ao menos lembra da música que tocou no carro? - De certo, explicaria tudo.

Chegando em casa de passos lentos até a porta do banheiro lembrei-me do que Charlotte me disse sobre o deserto. Eu estava lá a tantos anos... como era mesmo a história? Rebusquei tirando a roupa.
Escutei a música mais uma vez e senti zumbidos. Estava tudo bem.
Abaixei-me na parede e senti grãos de areia nos espaços das minhas costas, pensei no spa que minha mãe frequentou há alguns anos e entendi porque esfoliação era eficaz. Deve ser, vou testar açúcar e mel na cara depois. O deserto.
"Quando você me ouvir cantar..." eu teria que dormir para que a voz de Gal saísse do corpo do meus ouvidos ou o quê?
-Você está  estão sublime com essa blusa de garçonete.
Maldição! Ele não tinha outro elogio pra fazer? É um complô? Inácio gostava de botões. Eu associava qualquer elogio que me fizessem aquela altura aos que Inácio me fazia por que eu no fundo gostava de não deixar Inácio  esquecido junto à romã guardada no travesseiro que Lázaro me deu pra espantar Inácio dos meus pensamentos. Otto pediu mais dinheiro pra salvar a minha cabeça e eu juro, caro amigo que está aí assistindo o declínio da sanidade humana, eu não tinha mais dinheiro. Gastei tudo na cama, ou melhor, no divã. Ao menos eu me sentia responsável, ao menos o analista me salvaria, ao menos eu poderia fingir que é normal ser louca.

-O que você quer ser quando você crescer?
- Louca.
- Criança, por que diz isso?
- Por que os loucos podem fazer tudo que querem.

A próxima mulher de Inácio verá meus brincos de bolinhas roxas debaixo da cama. O que não quer dizer nada, por que nessa hora ele vai olhar os brincos roxos e jogar fora com a mesma farsa que jogou fora os tampões que Maria lhe dera, como se não significassem nada, como se até hoje essa fosse a parte mais horrenda da minha história e que ironicamente eu não tenho nada a ver. Inácio tem cada mania, deve ser o Vênus. Eu já estava conformada por que não é que Inácio fosse o pior dos homens, Ele só era louco mesmo. A  sua ingenuidade que um dia me feriu tanto já me dava era inspiração. Eu sabia fingir tão bem que começava a amar aquela mulher que entrou em mim depois do capeta sair de voltar três vezes nas formas suntuosas por debaixo da minha saia. Que horror!
Eu aquela altura não fazia o que queria, era grandioso demais o meu querer. Morar em Itaparica com Inácio e criar Manoel, entrela...(você precisa se perdoar- Aly Cravo falava todo tempo na minha cabeça) çando nossas existências. Então por via desta regra, louca não fiquei, Entretanto eu sentia, ali, sentada no chão do banheiro, vendo rostos nos azulejos, sentindo o frio que faz nas paredes da casa de madrugada, uma imensa paz.Fui no fundo do baú colorido das roupas e lá vi às três Marias belas, fui mais a fundo e senti o gosto de cada uma, fui mais a fundo e senti o gosto dos dois, dois? Dos cinco. Não senti absolutamente nenhuma vontade de chorar. Não senti nada. Eu estava imune. A última gota de sangue foi derramada na guerra dos universos. Eu só estremecia quando lembrava da voz de Inácio se referindo a mim, contemplando a minha existência. Contemplando o encontro de dois, a menina sem rosto do sonho, o banheiro da casa da tia Lizandra, a pia da casa abandonada que me viu nua mais vezes que a minha própria mãe. Tudo rodopiava, Otto disse que seria normal ter devaneios no meio do tratamento e que era pra eu deixar escorrer tudo. Otto não tem noção do perigo. Eu precisava escutar os sussurros do espírito no deserto. Era isso! Era isso que Charlotte queria me dizer. Eu olhei para as unhas dos meus pés e vi o que o desequilíbrio das infiltrações da casa da esquina tinham feito na minha. Recordei a última sessão.

- A tábua de Esmeralda é o melhor cd de Jorge.
- Como se sente hoje?
Eu via os quadros do quarto de Otto, ele tinha muito bom gosto e gostava de viajar. Será que Otto se sentia tão vazio quanto eu? Não, claramente não. Ele já foi ao show do The Smiths, eu só estava ali por isso, Ou ele só tem muito dinheiro e coleciona momentos como se os vivesse de fato ou ele realmente imagina o que sinto mesmo sem a capacidade de sentir. Um Ser que escuta Morrissey, não no sentido sonoro, mas no sentido poético consegue um fiapo de esperança. Mas ando poupando tanto a minha energia que consigo até mimos diários que apelidam de acaso. Poder pessoal é uma maravilha.
- Me sinto melhor, comecei a meditar.
-Ah, é? Você fazia isso acompanhada de Inácio?
- Acho que ele queria que eu fosse assim, mas eu repugnava a ideia por besteira.
- Que tipo de besteira, Olga?
- Inácio vê beleza onde não tem. Eu iria encontrar o meu eu enquanto ele reparava e procurava valores nos mil tu's  que permanecem disciplinarmente mantendo seu contrato com a sociedade nesse vislumbre de eu não sei o que sou, então vou juntar tudo que "presta" e num passe, sou isso. Inácio acredita que as pessoas são aquilo ali. A ilusão dele ardia nos meus olhos.
- Porque você se separou de Camilo?
- Por que eu não sentia mais desejo sexual por ele.
- Você falou isso pra ele?
- Não lembro.
- Por que você broxou?
- Ele me amava demais. Ele poderia me amar muito, mas ele deixava isso claro demais, ele poderia colher uma flor ou ser mais homem como Inácio era, Inácio me amava e talvez por falar muito parecido com o meu jeito de falar eu o amava mais.
- Então dependência afetiva é broxante pra você, Olga? Temos que investigar o episódio dos seus oito anos.

Quase saí correndo quando lembrei da conclusão de Otto, mas não podia, aprendi a ter auto controle. Aly Cravo me ensinou tudo que sei. E tudo que sei me mantém mais de pé que as análises de Otto.
Otto não entenderia, Inácio olhava e ainda tinha a ousadia de me dizer por quê. Eu trabalho com as verdades sublimes, eu não trabalho com as verdades carnais, eu não sou açougueira. Somos todos sagrados e o amor nunca deveria ter sido pronunciado. Eu já estava exaltada, então respirei. Um belo dia acordei e os anos tinham passado. Onde andará o sentido? Me conformei quando entendi que a eterna busca é só sobre mim. Esse planetinha em desenvolvimento não tem capacidade para a grandiosidade do meu afeto. Fingir ajuda, pra alguma coisa serviu escutar tanta asneira. Eu tinha coletado muito ensinamento, aquela noite com Juan em volta da fogueira durou exatamente 485 dias. 485 dias numa noite e eu agora era a feiticeira de andar sereno, de cara pro vento, eu achava viver um lucro.
Findei a recordação. Desde que aprendi que somos todos sagrados ficou mais fácil não olhar o beco da rua de Inácio quando o metrô passa. Eu carrego o espelho e me cerco de resiliência. Deus poderia ter me dado um Vênus menos vulnerável aos vampiros. Eu tinha que me desesperar? Eu poderia estar celebrando a minha vida cantando vento de Maio e ser uma mulher que investe em outras coisas do que psicoterapia. Eu nem precisaria de psicoterapia. A não ser que meu Vênus mais uma vez fosse tão ridículo. Mas não, a brincadeira começou quando ele trocou vento de maio pelas àguas de março. Há promessa de vida no meu coração, sei.
O telefone tocou.

- Chegou bem? Disse Charlotte com o telefone em cima da cama enquanto tirava a roupa nova.
- Sim, estou.
- Está onde? Que eco é esse?
- Tô no banheiro.
- Tá fazendo o quê? O que está pensando?
- Estou pensando que devo levar incensos para harmonizar o apartamento de Otto na próxima sessão.
- Eu queria saber como é que começa esse teu raciocínio, isso sim.
- Entendi o que você me disse. Estou preocupada.
- Entendeu o quê?
- Quando você falou do deserto... foi sobre Moisés ou Jesus?
- Moisés.
- Então entendi certo.
- E por quê a preocupação?
- Por que não chorei, pela primeira vez eu vi de fora. Não senti nada.
-  Por isso é deserto, bobinha.  Depois te explico sobre Rebeca.
- Essa eu já sei.
- Então vá dormir.
- Tá bom, amanhã tenho meditação cedo com Cecília, beijo.
- Gostou mesmo desse negócio, hein?
- Eu gosto de salva vidas.
- Doida! te amo.

Passaram-se  27 minutos até que eu decidisse abrir o registro do chuveiro. Senti paz.

terça-feira, 14 de março de 2017

CLARA SOLITUDE

Ela beijou a minha alma.
consegui crer, uma vez
do alto do irreal
a desconstrução do ideal.

Ela sorriu na minha essência
cumprimentou minha existência
ela beijou a minha alma
desacordou minha consciência

sábado, 11 de março de 2017

EXPURGO

Soaria tão bonito em tua boca um só som lançado há tempos em meus cantos. Não queria mais, nem cesso o fato. Anestesio e acho crueldade o fato de anestesiar. A pia do banheiro fala, a pia da casa abandonada na casa ao lado da casa de sua mãe fala mais. Lá naquele cenário está pendurado o sentido de tudo que desapareceu aqui. Não sou eu quem passo no rol e deixo o perfume. O rol está lá. Sim, tenho medo de altura e o fato é que revisito, principalmente aos domingos pela manhã um futuro negro e silencioso. Existem sim mil braços e bocas e paus. Nada vezes 10 é noves fora zero porque tu não vais estar lá. E vais estar passando na mesma avenida que caminhas pensando nas cores das nuvens. Não tenho mais paciência e o meu coração pesa. O analista não alivia e me sinto melhor. Como se não fosse castigo suficiente, tenho de chamar o teu nome o dia inteiro pra nada. Estou em paz porque sei que tu não estavas mais feliz e não há peso maior que carregar a infelicidade de quem se ama. Soaria tão bonito em minha boca a anunciação das tuas pisadas que vinham me ver de mochila e como é? A longo prazo contigo estou em paz. Deus, perdoe as nossas falácias por que de fato não sabemos de nada. 
-Pare de carregar esse peso. Pare de se culpar. Você fez o que deu.
Como é possível? Sentir culpa por que o outro não quis cultivar o que disse eterno? O encontro. O amor vai nos separar novamente. Só o amor pode curar tamanha cicatriz. Não me percebeu morando nos terrenos seus. Onde você foi amar? Quanta tortura por não saber perder. O seriado e tudo o mais não faz sentido. Seguro firme no riso que sei que me volta e que me voltaria. A cama ficou e nada mais significa esperança. Permaneço em rocha e trucido os sentidos no sono da verdadeira solidão. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

SONETO DO ELO

Vi nos olhos o vazio preencher a rua
O beco inteiro agora tinha barulho de córrego
Não vi sentido no sentir
Mas vi na pele o valor de existir

Corri universos entre as fraldes
Gritei por cheiros que não lembro
Dei por conta da maior força quando atravessei a calçada
Eu poderia eternizar o o brilho dos teus cabelos

Embora não saiba muito
Sei que perdido esse episódio
Seria taciturno, seria ócio

Desde então aprendi que amor é apelido
Tudo de grandioso apreendo e digo
É indizível a rima do eterno.

O IRMÃO MENOR

Ernesto deve ter deixando um de seus cigarrilhos. O som da gaveta arruinava o sentido da saudade também, o canto da sala dava de rumo à entrada de nossa fazenda. Ernesto chegava todos os dias ao fim da tarde, numa desconfiança sem fim. Lunática alma. Sempre fui. Ao menos aos olhos de Arnaldo que precisava de minha loucura para despejar toda a sua insanidade silenciosa. O dedo mindinho quicou no móvel de seu avô. Merda! A voz ecoa sempre sem Ernesto. Eu não fiquei ali para vê-lo delirar pela nonagésima vez.  Caio aconselhava-o e de nada adiantara.  Ernesto teria se perdido além das terras disponíveis aos meus olhos ali todos os dias ao fim da tarde. Deve haver algum licor por aqui, eles sempre deixavam suspensas três taças, porque no mais, eu servia de passatempo pros meus companheiros. Olga olhou no espelho, e a cor da boca de Olga indicava o demônio que ali guardara. Mas que diabos falo? Marieta passou. Marieta passa que nem cabrita fugida pela primeira vez das vistas do pai, uma coitadinha quente da boca rosa, rosa não, laranja, e você sabe bem o que a boca laranja quer dizer, nadinha. Ela não diz, a gente é que imagina a boca laranja. Marieta trabalha muito bem a cor de sua boca. É um laranja que na poesia até mancha.  Pois bem, eu nunca vou deixar de amar Ernesto, não pela pessoa que foi, mas pelo que jurei. Ernesto é do tipo que morto ainda vive, só pelo gostinho vagabundo de lembrar onde meu coração bateu, subindo e descendo, abrindo e apertando no mesmo lugar, o mesmo gosto. Olga achou o licor e o livro primeiro. Lembro que um dia chegou e na independência vulgar e classuda de fraque, nem deixou que  ela o triscasse, senti perfume de lavanda. Não era não. Era a mãe de Ernesto que o tinha abraçado, não tinha nada a ver com Aline, nem Marieta.  Marieta não deixava perfume, eu sabia porque minha boca é roxa e as bocas coloridas trabalham igualmente, e embora Marieta trabalhe bem mais, precisa ainda de muita ladeira pra arroxear  o céu. Olga via o roxo, o laranja  mas usava vermelho que de disfarce ela entendia bem, só não entendia porque as pessoas demonstravam vãs filosofias. -É mais fácil ser que parecer Lúcio.
Lembro assim.  Sempre quando eu chegava perto de Ernesto ele guardava um relicário, falava que era jóia de família, mentia mal o desgraçado e esquecia que Olga não era sagrada. Ficasse lá com suas lembranças, ou colocasse de decoração em nossa casa, eu já estava intimamente ligada aos brincos da “tia Cecília”  o relicário nada me faria, a não ser que Olga tivesse a boca rosa e fina, isso estremecia meu coração. Ele não gostava de dividir, sempre brigamos por isso, sempre fui o ser mais fraco da casa, mas ele contava que me magoava muito com tão pouco que não sabia que deveras eu ficava a delírios com sua hostilidade. Nunca entendi as raspas, pra mim que se o destino era esconder o relicário e passar ligeiro pra não fazer perceptível o perfume, que os deixassem à vista. De nós três Caio era o mais esperto, eu nem percebia Caio em casa, só quando ele achava um cigarro de Ernesto.  O que de lição tenho tido desde que os dois se foram é que estar só é um fato, mas deixar alguém só é uma escolha cruel e sem aviso. Não há mobília que sustente o vazio da lembrança sonora. Olga acompanhou sua própria lucidez.