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A escrita sempre foi fiel. Os episódios aqui encontrados são batizados de Escarros pois os mesmos são expurgos íntimos e partos divinos diferencialmente temperados pelos versos e circunstâncias que os compõem. Muitas vezes escorrem coisas a todo o tempo sem controle, disso tiro a lição e arte que se eterniza, mesmo que a poucos olhos. O valor é da existência. -Se fosse objeto seria polaroid, cuspiria poesia.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

DEVANEIO DE OLGA: HÁ LUZ FORA DA CAVERNA






Falo para fora, escrevo mesmo é para dentro. 

As cortinas outrora azuis balançavam, o frescor do vento chegava em minha pele sem pedir licença, sei, aprendi pouco a manter descrições imunes. Não  tem como falar de uma coisa sem mencionar as sensações da coisa. Ainda te vejo de costas, desembalando a carteira de cigarro,  atento aos carros e inclinando tua mão esquerda pra me puxar. Esquecia-te que eu era a canhota. Jurei sentir ódio de ti muitas vezes. Não consegui em nenhuma delas. O tapa na cara foi forte, admito. Talvez eu precisasse acordar. Muitas vezes acordo e tenho a sensação de inverdade, não de inconformismo, mas uma sensação que de tão distante da realidade se torna absurda. És tu absurdo. Quase que te nomeio de outra coisa. Não pareces o que aparentava ser. Assim são as criaturas humanas, quase nunca são o que aparentam. Pensei estar equivocada o tempo inteiro. Eu nunca estive.  O eremita sem rosto que aparece na hora turva ainda tem voz dentro de mim. Sou toda ouvidos quando o tato morre. Cabeça é gaveta. Mente é aroma. Não consigo ainda te perdoar, mas consigo te arremessar bem longe e sei, reúnes todas as forças afim de matar a culpa na tentativa de ser feliz. Que culpa tens, logo tu, de apostar em voltar a superfície? Tens sorte, por aqui não há botes. Desconfiei de quando estava a me afogar, passaram dois ou três, deixei passar. Tenho eu essa mania infame de engolir muita água. Gosto de cuspir depois. Sozinha. Entre garrafas e manhãs de língua amarga. Entre lampejos de conexão com o oculto e a eterna busca por respostas. Criança. A criança ainda está aqui. Mais curiosa do que triste. Espelho é bom e fala. Poderia ser o meu lugar. Eu poderia tomar tais medidas. Embora eu honre os advérbios que eu pronuncie durante a jornada, admito. Sou cheia de pedaços reconstruídos. Há quem pronuncie Fênix, rio. Lembro de Luis: És flor de mangue, suportas as torrenciais enquanto vê a tempestade. Quero  acreditar que eu  também seria capaz de tal relapso. Olho as cartas e muitas vezes desejei rasgá-las. Não. Deixo que participe da biografia íntima e imortal. Gosto de saber que tu me destes o golpe fatal que transformou o antes e o agora em duas especificidades. Minha vida foi divida em dois momentos. Quase enlouqueci. Oito meses se passaram e oito meses se passarão. Nunca acreditei em destino, mas, acredito, carma tem. Olho as cortinas hoje e recordo as direções do vento. Mente sob matéria. E no entanto é tão fácil ser arrastado. Tu foste arrastado por ventos duros de assustar quem está em casa só. Maldita é a minha língua, admito. Ando muito admitida, confessiva. Malditas também foram tuas ações e nem por isso há ódio. Invento palavras mas todos sabem, não invento histórias, é difícil literar para crianças. Não tenho tanta criatividade. Tenho os olhos machucados e tenho visto inescrupulosos atos de busca de felicidade. Estão todos urgentes de fechar as feridas em si, não importam quais serão abertas no outro. Queria compreender a tua audácia de entrar e sair colocando uma pedra para que ninguém mais passe. Ouço o velho eremita novamente e quase suplico: Deixe que passem! Parece não existir ninguém além de mim num oco dentro de um oco maior ainda. Tento a todo custo remover a pedra que tu colocastes tão facilmente antes de deslumbrar-se na estrada. Essa pedra que é tua, tu sabes o jeito de tirar. Não importa quão força eu tenha. Ela conhece teus dedos e o teu querer. Ouço vozes que querem ajudar. Muitas vezes perguntam se estou bem, se há distrações aqui dentro. Acabo rindo. O velho olha na minha cara e ri também, somos os dois tramando dia e noite. Acho divertido ter os olhos em cima dos meus. Ando vagarosa e de urgências só surgem as mínimas vontades de fala. Incontáveis são os nomes que tentam inutilmente remover a pedra. Não sabem que a total liberdade em estar perdida no oco do oco me fere ao mesmo me alucina. Não quis lidar com nada além da dor. E além do mais, sou levada a remover pesos sempre que há magia. Tenho os olhos úmidos. Estou velha e impaciente por dentro. Desejo que todos passem, embora eu brinque durante a estadia de cada um. Sempre que consigo sonhar o velho me bota de frente contigo. Tua boca ri, mas teus olhos se perdem cada vez mais. E sabes disso. Desafia tuas próprias leis. Leis que nunca foram criadas por ninguém. O paraíso só tem poder pela existência do inferno, licença poética concedida. Acreditas que existem barreiras a ultrapassar e mil coisas a conquistar.  Também acredito. Minhas barreiras no caso são as de dentro. Minhas conquistas estão dentro de uma rede no domingo de manhã. Meu sossego é visceral. Pusera-me na roda da liberdade e desde então sei muito mais o que não sou do que o que desejo ser. A noite é laboratório. As línguas e todos os seus códigos são meus experimentos. Do muito que me oferecem, rio de quase tudo. Longe de ser presunçosa me derreto com o acesso e o contexto e compreendo: é fácil ser encantada. Quando compreendo tudo parece estar sem respostas, porque as perguntas desaparecem. É assim porque é. As perspectivas, de dois corpos que já estiveram conectados profundamente, ainda é diferente. Ser livre é não aceitar tudo. Sei que a pedra conhece teus dedos, mas teus dedos não são os únicos. Meu quadril largo é acostumado com espessuras. Descubro e comparo forças. No fundo eu gosto de ter morrido. Nem pretendo juntar os meus pedaços. Quero mesmo é experimentar todos os cortes e fazer dos dedos objetos de sutura. De tudo que foi enterrado no silêncio, sobrevivo pela retórica intenção.